segunda-feira, 27 de junho de 2011

A grave crise alimentar

HÁ apenas 11 dias, em 19 de janeiro, sob o título de "É hora de fazer alguma coisa", escrevi:
"O pior é que, em grande parte, as soluções dependerão dos países mais ricos e desenvolvidos, que chegarão a uma situação que realmente não estão em condições de enfrentar, sem se derrubar o mundo que tentaram moldar..."
"Não estou falando de guerras, de cujos riscos e consequências já falaram pessoas sábias e brilhantes, incluídas muitas norte-americanas.
"Estou falando de uma crise dos alimentos, causada por fatos econômicos e mudanças climáticas que, aparentemente, já são irreversíveis, em consequência da ação do homem, mas, que de todas as formas, a mente humana está no dever de enfrentar com urgência."
"Os problemas ganharam força, agora, de súbito, mediante fenômenos que se repetem em todos os continentes: calor excessivo, incêndios de florestas, perda de colheitas na Rússia [...] mudança climática na China [...] perda progressiva das reservas de água no Himalaia, que ameaça a Índia, China, Paquistão e outros países; chuvas torrenciais na Austrália, que alagaram quase um milhão de quilômetros quadrados; ondas de frio insólitas e fora de época na Europa [...] secas no Canadá; ondas inusuais de frio nesse país e nos Estados Unidos..."
Também mencionei as chuvas sem precedentes na Colômbia, na Venezuela e no Brasil.
Naquela Reflexão referi que "As produções de trigo, soja, milho, arroz e outros muitos cereais e leguminosas, que constituem a base alimentar do mundo — cuja população atinge hoje, segundo cálculos, quase 6,9 bilhões de habitantes, já se aproxima da casa inédita dos 7 bilhões, e onde mais de 1 bilhão sofre fome e desnutrição — estão sendo afetadas seriamente pelas mudanças climáticas, criando um problema grave no mundo."
No sábado, dia 29 de janeiro, o boletim diário que recebo com notícias da internet, reproduziu um artigo de Lester R. Brown, publicado no site Vía Orgánica, em 10 de janeiro, cujo conteúdo, no meu entender, deve ser divulgado amplamente.
Seu autor é o mais prestigioso e galardoado ecologista norte-americano, que vem chamando a atenção para o efeito nocivo do crescente e grande volume de CO2 que está sendo lançado à atmosfera. De seu bem fundamentado artigo, vou extrair apenas os parágrafos que explicam, de forma coerente, seus pontos de vista.
Iniciado o novo ano, o preço do trigo alcança níveis sem precedentes..."
"... a população mundial, quase duplicou desde 1970, ainda continuamos crescendo a um ritmo de 80 milhões de pessoas por ano. Nesta noite, haverão 219 mil bocas a mais que alimentar e muitas delas vão achar os pratos vazios. Mais 219 mil virão somar-se a nós amanhã à noite. Em algum momento este crescimento incessante começa a ser demais para as capacidades dos agricultores e os limites dos recursos terrestres e hídricos do planeta"
"O aumento no consumo de carne, leite e ovos nos países em desenvolvimento, que crescem rápido, não tem precedentes."
"Nos Estados Unidos, onde foram colhidas 416 milhões de toneladas de grãos, em 2009, 119 milhões de toneladas foram enviadas às destilarias de etanol, visando a produção de combustível para os automóveis. Isso seria suficiente para alimentar 350 milhões de pessoas por ano. O investimento pesado dos Estados Unidos nas destilarias de etanol cria as condições para a concorrência direta, entre os automóveis e as pessoas, pela colheita mundial de grãos. Na Europa, onde boa parte do parque automotor é movido com combustível diesel, existe uma procura crescente de combustível diesel produzido a partir das plantas, sobretudo a partir do óleo de colza e de palmeira. Esta procura de culturas que contenham óleo não só reduz a superfície disponível para produzir alimentos na Europa, mas também acelera o desmatamento das florestas tropicais na Indonésia e na Malásia a favor das plantações produtoras de óleo de palmeira."
"... o crescimento anual do consumo de grãos no mundo, de uma média de 21 milhões de toneladas anuais, no período de 1990 a 2005 aumentou até 41 milhões de toneladas por ano, no período entre 2005 e 2010. A maior parte deste grande salto pode ser atribuído à orgia de investimentos em destilarias de etanol, nos Estados Unidos, entre 2006 e 2008.
"Ao mesmo tempo em que duplicava a procura anual de crescimento de grãos, surgiam novas limitações do lado da oferta, inclusive quando se intensificavam aquelas de longo prazo, como a erosão dos solos. Calcula-se que um terço das terras de cultura do mundo perdem a camada vegetal mais rápido que o tempo necessário para a formação do solo novo, mediante os processos naturais, perdendo dessa maneira sua produtividade inerente. Estão em processo de formação duas grandes massas de poeira. Uma se estende pelo noroeste da China, pelo oeste da Mongólia e a Ásia Central; a outra é localizada na África Central. Cada uma delas é muito maior do que a massa de poeira que afetou os Estados Unidos, na década de 1930.
"As imagens do satélite mostram um fluxo constante de tempestades de poeira que surgem nestas regiões e geralmente cada uma delas transporta milhões de toneladas de camada vegetal valiosa."
"Enquanto isso, o esgotamento dos lençóis aquíferos reduz rapidamente a extensão das áreas irrigadas de muitas regiões do mundo: este fenômeno relativamente recente é propiciado pelo uso, em grande escala, das bombas mecânicas para extrair a água subterrânea. Atualmente, metade da população do mundo vive em países onde o nível dos lençois freáticos diminui, na medida em que o bombeamento excessivo esgota os lençóis aquíferos. Quando que se esgota um aquífero é necessário reduzir o bombeamento segundo o ritmo de reposição, se não se pretende convertê-lo em um aquífero fóssil (não renovável), em cujo caso o bombeamento cessará totalmente. Porém, mais cedo ou mais tarde, a diminuição dos níveis freáticos trará como resultado o aumento dos preços dos alimentos.
"As zonas irrigadas diminuem no Oriente Médio, sobretudo na Arábia Saudita, Síria, Iraque e possivelmente Iêmen. Na Arábia Saudita, que dependia totalmente de um aquífero fóssil hoje esgotado, para sua auto-suficiência na cultura do trigo, a produção experimenta uma queda livre. Entre 2007 e 2010, a produção de trigo saudita caiu mais de dois terços."
"O Oriente Médio árabe é a região geográfica onde a crescente escassez de água provoca a maior redução da colheita de grãos. Porém, os déficits de água realmente elevados estão na Índia onde, segundo números do Banco Mundial, 175 milhões de pessoas se alimentam de grãos produzidos mediante o bombeamento excessivo [...] Nos Estados Unidos, o outro grande produtor de grãos do mundo, a área irrigada diminuiu em estados agrícolas como Califórnia e Texas."
"O aumento da temperatura também faz com que seja mais difícil aumentar o colheita mundial de grãos com a rapidez suficiente para ir à par do ritmo sem precedentes da procura. Os ecologistas que se ocupam das culturas têm sua própria regra, geralmente aceita: em cada aumento de um grau Celsio na temperatura, acima do nível ótimo durante a temporada de crescimento, pode-se esperar uma diminuição de 10% no rendimento dos grãos."
"Outra tendência emergente que ameaça a segurança alimentar é o derretimento das geleiras de montanhas. Isto é especialmente preocupante no Himalaia e no planalto do Tibete, onde o gelo que se derrete, procedente das geleiras, alimenta não só os grandes rios da Ásia, durante a estação da seca, como o Indo, o Ganges, o Mekong, o Yang-tsé e o Amarelo, mas também os sistemas de rega que dependem desses rios. Sem este derretimento dos gelos, a colheita de grãos despencaria e os preços aumentariam proporcionalmente.
"Por último, e a longo prazo, as calotas de gelo que se derretem na Groenlândia e no oeste da Antártica, juntamente com a expansão térmica dos oceanos, ameaça com elevar o nível do mar até 1,85m, durante este século. Inclusive uma elevação de 92,5 cm provocaria o alagamento das terras arrozeiras do Bangladesh. Também, deixaria alagada boa parte da foz do Mekong, onde é produzida metade do arroz do Vietnã, o segundo exportador de arroz do mundo. No total, existem aproximadamente 19 bacias fluviais produtoras de arroz na Ásia onde as colheitas seriam consideravelmente reduzidas, por causa da elevação do nível do mar."
"a falta de sossego destas últimas semanas é só o princípio. Já não se trata de um conflito entre grandes potências fortemente armadas mas sim de maior escassez de alimentos e do aumento dos preços dos alimentos (e do transtorno político ao qual levaria isso), que ameaçam nosso futuro mundial. Ao não ser que os governos revisem rapidamente as questões de segurança e dediquem as despesas militares à mitigação da mudança climática, à eficiência hídrica, à conservação dos solos e à estabilização demográfica, de acordo com todas as probabilidades, o mundo enfrentará um futuro de mais instabilidade climática e volatilidade dos preços dos alimentos. Se continuamos fazendo as coisas como até agora, os preços dos alimentos só tenderão a subir."
A ordem mundial existente foi imposta pelos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial, e reservaram para si próprios todos os privilégios.
Obama não tem como administrar a bagunça que criaram. Há alguns dias, o governo da Tunísia foi derrubado, ali os Estados Unidos tinham imposto o neoliberalismo e eram felizes de sua façanha política. A palavra democracia tinha sumido do palco. É incrível como agora, quando o povo explorado derrama o sangue e assalta as lojas, Washington exprime sua felicidade pela derrubada. Ninguém ignora que os Estados Unidos converteram o Egito em seu principal aliado dentro do mundo árabe. Um grande porta-aviões e um submarino nuclear, escoltados por naves de guerra norte-americanas e israelenses, há vários meses, cruzaram o Canal de Suez até o Golfo Pérsico, sem que a imprensa internacional tivesse acesso ao que ali acontecia. Foi o país árabe que recebeu mais fornecimentos de armamentos. Milhões de jovens egípcios sofrem o desemprego e a escassez de alimentos provocados na economia mundial, e Washington afirma que os apoia. Seu maquiavelismo consiste em que, enquanto fornecia armas ao governo egípcio, a USAID entregava fundos à oposição. Será que os Estados Unidos poderão deter a onda revolucionária que sacode o Terceiro Mundo?
A famosa reunião de Davos, que concluiu recentemente, virou uma Torre de Babel, e os estados europeus mais ricos liderados pela Alemanha, Grã-Bretanha e França, só coincidem em seu desacordo com os Estados Unidos.
De maneira nenhuma devemos nos preocupar; a secretária de Estado prometeu, mais uma vez que os Estados Unidos ajudariam na reconstrução do Haiti.

Fidel Castro Ruz
30 de janeiro de 2011

Fonte: Granma Internacional Digital: 
http://www.granma.cu

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