Por João Alvino da Silva
Texto dedicado às minhas colegas de profissão: Angélica e Cecília.
Um dia após o atentado na Noruega, duas colegas de magistério me indagaram sobre o acontecido. Respondi na hora que havia entendido, quase que de imediato, o simbolismo e o significado desses atentados. Automaticamente vieram a minha mente os crimes da KLU KLUX KLAN e o atentado de Oklahoma em 1995, no EUA, de proporções ainda mais alarmantes. Estranhei a forma com que os meios de comunicação trataram o episódio. Uma confusão danada. Poucas pessoas esperavam que um país como a Noruega, do mais elevado IDH do mundo, sem desemprego, sem violência e sem problemas sociais fosse o cenário de uma tragédia dessa natureza, a pior no país, desde a Segunda Guerra Mundial.
Ouvi de um norueguês, em um noticiário da Globo News, que o povo da Noruega não esperava, não estava preparado e era ingênuo diante de uma situação destas. Sempre ouvi falar muito bem do sistema educacional desse país, mas, há algo de podre nos ensinos de História, de Filosofia e de Sociologia, talvez não só na Noruega, mas em toda Europa. Os europeus fingem não ver e nem entender o crescimento do fundamentalismo ocidental de direita, alicerçado na xenofobia (aversão ao estrangeiro), na homofobia, e após o “11 de Setembro”, na islamofobia. A imigração, a emancipação feminina, as paradas gays, o terrorismo e os bons resultados eleitorais da esquerda latino-americana, são para, pelo menos, 20% do povo europeu motivos de pânico.
O Partido do Progresso, do qual foi militante Anders Behring Breivik, o autor dos atentados na Noruega, obteve 23% dos votos nas eleições de 2009. Foi nesse partido, de funcionamento legal na Noruega, que Breivik potencializou suas doentias convicções políticas. As crianças e jovens vitimadas pelo atentado eram ligadas aos trabalhistas, do atual primeiro ministro norueguês, Jens Stoltenberg, de plataforma centro-esquerdista, adepto do multiculturalismo, da diversidade e da tolerância. Não é necessária nenhuma grande profecia para saber o que esses jovens estavam discutindo naquele fatídico evento. Evidentemente, as preocupações humanitárias daqueles garotos eram tudo o que Breivick e os seus 23% de cúmplices noruegueses abominam.
Sempre admirei o sistema carcerário da Noruega, gostaria de vê-lo implantado no Brasil. Prisões limpas, quase vazias e com bons índices de criminosos recuperados pelo sistema, nunca ouvi nenhuma entidade ou organização de Direitos Humanos reclamarem de nada. Errei, todos os canalhas do Partido do Progresso deveriam estar superlotando os presídios noruegueses. Nossos piores criminosos são inocentes bebês perto destes bastardos. Desconheço se algum criminoso brasileiro, em tempo algum, teve coragem de assassinar covardemente 72 crianças indefesas. Nesse sentido, ninguém tem o direito de achar que esse episódio foi apenas um ato isolado de um louco.
Gosto de refletir sobre as mudanças e permanências, estas últimas parecendo bem mais resistentes, principalmente, quando o assunto é a intolerância, que infelizmente está registrada na longa duração da História. As vítimas sempre foram as mesmas, os mais “fracos”: crianças, mulheres, negros, índios, homossexuais e imigrantes. Se o sujeito não se enquadra no padrão macho, hétero, rico, branco, cristão e ocidental, é sem dúvida, vítima em potencial de alguma forma de intolerância.
O antissemitismo, a xenofobia, a homofobia e a violência política não são novidades na trajetória humana, também não são invenções do faci-nazismo. Fábio Bertonha, professor de História na UNICAMP, diz que não existiu inteligência criativa no nazismo, e, sim, a incorporação e a manipulação de ideias e sentimentos há muito cultivados na Europa. Breivik, ao citar o Brasil por 12 vezes, como país disfuncional, por conta da miscigenação, recorreu ao mais moderno estilo: Ctrl-c-Ctrl-v, copiar-colar. Esperar criatividade ou inventividade de um neo-nazista, é o mesmo que acreditar que os mares correm para os rios.
O implacável cerco de Berlim pelo Exército Vermelho da ex-URSS em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, resultou no suicídio de Hitler e de sua, sabe-se lá o quê, Eva Browm. Os corpos da víbora e da vadia foram jogados em um buraco e incinerados com 100 litros de gasolina por um oficial nazista. Pura higiene sanitária. No entanto, era tarde, os ovos da serpente estavam espalhados por todos os cantos, e chocaram, sobreviveram, revigoraram-se, organizaram-se e estão, cada vez mais, ameaçadores.
Do frio e da escuridão norueguesa aos trópicos no Brasil, as criaturas estão à solta, se rastejando pelas travessas da Avenida Paulista, em pontos do interior do estado e no sul do país. Não existe, em absoluto, diferença entre os canalhas que agrediram um jovem com lâmpadas fluorescentes na capital paulista; ao que mordeu a orelha de uma pessoa que passeava com seu filho, confundidos com gays; o bastardo que destruiu a estátua de Zumbi em Salto, interior de São Paulo e o assassino da Noruega, são todos, malditas crias da serpente.
Há, na Europa, nos EUA e no Brasil, inconscientemente ou não, uma certa cumplicidade a esse tipo de crime. Não entendi, até hoje, a inoperância do Estado, em todos os níveis, no combate a esse bando de assassinos. O mesmo estado que conseguiu dominar e ocupar os mais violentos morros do Rio de Janeiro, não consegue deter meia dúzia de neonazistas imbecis em São Paulo. Triste, trágico, dramático, o mundo está refém desta paranóia diabólica. Onde, quando, como, quem sofrerá o próximo bote da serpente?
Se as pessoas, os governos, as instituições e as entidades do bem, no mundo todo, não desenvolverem mecanismos, estratégias e ferramentas para deter esse grande mal, de fato, valores importantes para a nossa sobrevivência, como a tolerância, a solidariedade, a compreensão e o amor perderão o sentido, será o nosso fim, a espécie estará liquidada.
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